23 abril 2007

Alma Castelhana! de onde vem a mística tricolor?

Aos 14 anos de idade, tendo chegado há poucos dias em Porto Alegre, onde viria para cursar o científico do Colégio Rosário, e ainda mal aquerenciado num apartamento de quarto e sala que meu pai tinha alugado para eu morar, junto com uns amigos de Santo Antônio da Patrulha, andava meio perdido com tanto coisa nova. Acostumado ao viver mais calmo do interior, tinha dificuldade de me adaptar numa morada que em sua totalidade, não era maior do que meu quarto em casa de meus pais e também com a vida agitada da capital. Mas, nessa idade, a gente se acostuma rápido com as novas caras da mudança e como sempre, são os amigos que marcam presença quando se bota a cara ao vento; e eles não eram poucos, e como poucos.
E na verdade, eu estava onde queria: mais próximo do meu Grêmio. Uma paixão curtida à distância desde a infância, pelo rádio e algumas raras vezes pela TV. Mas agora eu morava à dez minutos do palco dos meus sonhos infantis. E estava muito feliz por isso.
Uns meses antes, o velho inimigo vermelho tinha inaugurado seu novo estádio no parque Beira-Rio, num pedaço de aterro das margens do Rio Guaíba, que o Governador Ildo Menegueti tinha doado ao nosso co-irmão. E "eles" estavam faceiros demais; no ano anterior tinham quebrado a série de sete campeonatos regionais que o Grêmio acumulará até 1968, o heptacampeonato, e ainda mais agora, de estádio novo, não se contentariam com pouco. E foi o que se viu nos anos seguintes. Hegemonia no estado e vôos altos a nivel nacional com um bi-campeonato brasileiro, em 75/76.
Era difícil ser gremista naquela época. Parece que o time entrava em campo já batido. O estádio beira-rio e os títulos nacionais, além da supremacia regional humilhavam nosso gremismo. Talvez como fruto dessa verdade transitória, mas dolorida, surgia em nossa casa, na Azenha, uma nova e entusiasmada liderança. Um Gremista homem, nesta ordem! Começou ocupando cargos menores, até ocupar a Presidência do Clube em 1975; e chegou declarando que os dias vermelhos estavam contados; que o grêmio a partir de então venderia caro demais qualquer derrota; que somente jogaria no time quem tivesse tesão! Foi um desconforto geral, pois essa palavra, tão comum nos nossos dias de hoje, era uma afronta aos conceitos de moralidade de então.
Ninguém percebia, mas estava nascendo um sentimento de maioridade, de supremacia,...de invencibilidade. E não demorou para a tática do "tesão" apresentar seus primeiros resultados. Em 1977, sob o comando desse dirigente gremista, acabamos com a hegemonia colorada aqui nos pagos, com direito a invasão de campo, pois tínhamos pressa em comemorar aquela e partir para outras conquistas, e o juiz não queria acabar com o jogo...
O primeiro fruto daquela semente plantada dentro do coração de cada jogador, funcionário, dirigente e da torcida gremista através de entrevistas e conclamações pelos meios de comunicação feitas pelo Presidente do Clube, acabava de se materializar. Uma profunda mudança tinha se operado, e o Grêmio jamais seria o mesmo. O gremismo e os gremistas respiraram fundo, encheram o peito e pensaram grande, como seu comandante.
O segundo feito viria a seguir, com uma grande campanha junto à torcida, que contribuiu com dinheiro, cimento, fé, suor, sangue e um pedaço do coração. Com esses ingredientes o dito Presidente comandou as obras de complementação de nosso estádio, que o transformaram no Olímpico Monumental, nosso orgulho e de todo o futebol gaúcho. Faltava pouco para acabarem os dias de humilhação e eles apenas figurariam na história depois daquele memoroso 3 de maio de 1981. Na proa de comando da nau gremista que desafiava o poderoso São Paulo, dentro do Estádio Morumbi, com 7 jogadores da seleção nacional e 95.000 são-paulinos a cantar e gritar, na final do campeonato brasileiro de futebol, estava aquele que ousou dizer que o Grêmio não poderia mais ser batido sem que para isso houvesse muita luta, e nunca antes do apito final. 1x0 com golaço de Baltazar! O Brasil não acreditava no que assistia...e nossa alma estava lavada. Nunca mais seríamos humilhados. Éramos campeões brasileiros, e a estrutura para irmos adiante, na libertadores, estava montada. Dois anos depois, já sob o comando do Dr. Fábio Koff, fomos campeões da Libertadores e do Mundo. E o Grêmio não parou mais de crescer. E a dificuldade para batê-lo também...
Nos Aflitos, em Recife, o Náutico e sua torcida foram vítimas desse sentimento que encarna na veste tricolor quando uma grande batalha se desenvolve e, mais uma vez, os brasileiros assistiram pela televisão uma épica jornada esportiva marcada pela superação, persistência, combatividade e pela incrível capacidade de recusar a realidade e apostar no sonho até vê-lo balançar as redes adversárias. E mais recentemente, no âmbito do gaúchão, o Caxias e o Juventude provaram o gosto amargo de perder uma classificação que já pensavam ter ganho.
O Grêmio é grande demais para ter sido construido apenas por uma pessoa. Ele é obra de muitos competentes e abnegados dirigentes, virtuosos jogadores, funcionários dedicados e, principalmente, uma construção da fantástica e incomparável torcida tricolor, mas quem quiser entender um pouco dessa alma castelhana que se instala no time quando as dificuldades parecem criar uma barreira intransponível à conquista de campo, pode procurar por um médico aposentado que atende pelo nome de Hélio Dourado. Se sua rotina atual estiver permitindo, ele ainda pode ser encontrado ali no Bairro Azenha, no Estádio Olímpico, falando algumas bobagens como "fazer algum estádio ainda melhor"...ou que "o Grêmio vai ser maior que o Barcelona".
Eu penso, meu querido Dr. Hélio, que foi em homenagem à missão que o Senhor teria a frente de nosso clube do coração que os Mestres Ascensionados construiram a célebre e divina sentença: "Ninguém fracassa, enquanto não se rende".
taddeu vargas

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